terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Meridiano de Sangue

"Meridiano de Sangue", de Cormac McCarthy (Biblioteca Sábado)

Sinopse:
Um jovem que vaga pelo sul dos Estados Unidos acaba por se unir a um grupo de aventureiros que pensam fazer razias em território mexicano. Quando o bando é dizimado por Comanches, o rapaz é obrigado a atravessar um deserto até chegar à cidade de Chihuahua, onde é levado para o presídio. É então que é recrutado para uma expedição comandada pelo capitão Glanton, dedicada à caça de escalpes. Sob a prodigiosa influência do Juiz Holden, o grupo vai-se afundando numa espiral de violência, cometendo actos cada vez mais sanguinários.

Opinião:
Exactamente três meses depois de começar a ler este livro, cheguei à última página. Com uma pausa extensa pelo meio, e sendo este o segundo livro que li do autor ("A Estrada" foi o primeiro), não posso dizer mais do que "fiquei desapontada."

A escrita do autor continua divinal, fora todas as habituais repetições do "e" e também a confusão dos diálogos, este livro está fabulosamente bem escrito.

Mais do que uma história sobre os homens, eu vejo este livro como um mapa geográfico e histórico, quase visual, de tão exaustivas e certeiras que são as descrições do autor. Mas também é aqui que ele peca mais, pois aquilo que no "A Estrada" deu vida ao livro, aqui torna-se abusivo e até irritante. Muitos momento houve, em que me perguntei sobre, exactamente, o que estava a ler.
Bélicas ... sim! Induzidoras de imagens vividas e retratos soberbos ... sim! Comedidas ... não!

Não foi a violência extrema que me fez desgostar da leitura, pois esta, embora abusiva e gráfica ao ponto de dar nojo, foi algo necessário à trama e para mostrar o que era a vida naqueles tempos e naqueles locais.
O que me deixou insatisfeita foi a forma como o autor sentiu necessidade de descrever todos os dias da história, sem excepção (tirando no último capítulo), mesmo quando nada de relevante se passava. Uma vez ... muito bem; duas vezes ... certo; sempre ... é demais. Percebi que o fez para mostrar o isolamento e austeridade das vidas dos homens, mas foi demasiado.

Ainda assim, o que menos gostei no meio de tudo isto, foram as personagens. Ou será que devo dizer ... a falta delas?
Certo, certo! O livro está cheio de personagens. Diria até demais, pois o autor fez o favor de nomear todas as pessoas que se cruzaram no caminho dos caça-escalpes, e no entanto, fica-se pelas alcunhas nas personagens que, supostamente, são centrais.
O que me pareceu, durante toda a leitura, foi que as personagens realmente importantes, tinham a profundidade humana de uma barata (sem querer injuriar a espécie em questão).
Deixem-me esclarecer: Temos um grupo de caça-escalpes, a percorrer quilómetros e quilómetros a cavalo, até que, sem nenhuma razão aparente, começam a matar toda e qualquer pessoa que se cruze com eles. Aquela que começou por ser uma missão nobre, para salvar as povoações, acaba por ser o massacre das mesmas. Até aqui, tudo bem. O problema é que num bando de trinta ou quarenta homens, não houve UM que se insurgisse. Aliás, minto, houve um, mas nem sequer levantou a voz para protestar, apenas confidenciou com um amigo. E no entanto o juiz tenta convencer-nos que afinal um deles é diferente. Tenta, é a palavra de ordem, porque não há uma única acção que o prove.
Agora, podem argumentar comigo que eram outros tempos, mas convenhamos, que num grupo daquele tamanho, alguém havia de ter juízo, pressuponho eu.
E mesmo quando as coisas começaram a escalar ... nada!
Mas nem foi isto que fez dizer que o desenvolvimento das personagens é nulo, e sim a mais completa e absulota inexistência de qualquer ligação emocional (ou de outra índole) que o leitor cria com qualquer uma das personagens.
É impressionante! Digo-o porque normalmente tenho muita facilidade em "entrar na pele" das personagens, mas aqui ... aqui não houve nada!
Já tive "discussões" em alguns fóruns por causa do que penso sobre as personagens deste livro. A maioria das pessoas não concorda comigo, e respeito isso, assim como esperei que aceitassem a minha opinião.
Podem dizer que eu devia olhar por baixo da camada exterior e procurar o que está por baixo, no interior desta história. Pois bem, eu olho e olho e olho; e leio, leio e leio ... e vejam lá! Não encontro nada. 

Em suma, este foi um livro que me deixou muito descontente e acho que a fórmula e a escrita que tão bem funcionaram em "A Estrada", aqui se perderam e me perderam enquanto leitora. A escrita está fabulosa, mas isso só, não salva este livro. Tenho muita pena de não ter gostado desta leitura, mas a verdade é uma só ... não gostei.

Tradução (Paulo Faria):
Começando pelo principio, achei uma pequena delícia aquela nota do tradutor e pude comprovar, ao longo do livro, que o Paulo Faria (tradutor) parece ter feito um trabalho exemplar, tendo eu muito pouco de negativo a apontar no trabalho (exaustivo) dele. O meu único problema foi um já muito recorrente nas traduções portugueses, e que já mencione várias vezes. Isto é: A "mania" dos editores de não providenciarem traduções de expressões noutras línguas. Ou seja, eu sou a favor de deixarem determinados diálogos ou textos na língua original quando ao traduzirem perca o seu "poder", mas e que tal umas notas de rodapé? Será que é assim tão difícil perceber que nem toda a gente percebe espanhol (ou inglês, ou francês, ou alemão, ou o que for). Porque é que teimam em quebrar esta regra que me parece absolutamente básica?
Mas de resto a tradução foi impecável. :)


Capa, Design e Edição:
A capa está bem alusiva à narrativa, e embora não seja das minha favoritas, acho que funciona bem.
O pequeno tamanho da letra, e a fonte escolhida para esta edição, não facilitam a leitura, mas não é nada que não se ultrapasse com um pouco de boa vontade e as margens estão boas, o que facilita.

4 comentários:

  1. Pois eu gostei imenso do livro!

    É uma leitura bastante densa e pesada. Demorei também muito tempo a conseguir lê-lo.

    Mas, no fim, depois de ter avançado para outro... Senti saudades.

    Acho que chego a admirar o escritor por descrever cada dia dos intervenientes. Também calhou ler o livro durante uma leitura conjunta, pelo que analisei todas as palavrinhas! É uma preciosa ajuda ver o livro dessa maneira para gostar dele ;)

    As personagens achei terrivelmente geniais. O juiz Holden então escusa comentários, é das personagens mais geniais de sempre e tudo dito.
    São personagens com algum mistério sobre si, talvez porque o mundo de McCarthy não parece ser mais do que aquele deserto, de iguais vistas, de eterna luta. Talvez isso influencie o carácter das personagens. Mas vi nelas um simbolismo, e uma importância, que faz da obra merecedora de profunda análise.

    Acho que são diferentes formas de abordar a obra, o que tem uma influência extrema.

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  2. Pedro,
    Não digo que as personagens não fossem interessantes, simplesmente acho que não sofreram nenhum desenvolvimento significativo. Ou aliás, sofreram, mas sem razão aparente, o que vai dar no mesmo, a meu ver.
    Mas claro, eu estou em minoria por isso é aos meus olhos que isto acontece. Quase toda a gente que conheço e já leu a obra, adorou.

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  3. Não li o livro, por isso não faço ideia se o que vou dizer está certo, mas pelo que descreves sobre "num bando de trinta ou quarenta homens, não houve UM que se insurgisse (...)" (citei aqui aquilo que disseste), talvez o autor estivesse a pensar num fenómeno de "mentalidade de turba" - em que as pessoas se, hmm, despersonalizam e o grupo age como um só, por vezes fazendo coisas que as pessoas individualmente, se pensassem naquilo que estavam a fazer, ficavam horrorizadas, mas com a "pressão" de grupo ficam a modos que bloqueadas moralmente.

    Não sei se me expliquei bem. :/ Vi uma vez um documentário sobre isto e fiquei impressionada, por isso é que me lembrei disto quando estava a ler a tua crítica.

    Cumps,
    p7

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  4. P7,
    Já ouvi falar disso, e sim, talvez fosse essa a ideia do autor, mas ele não pareceu ter intenções de mostrar isso em especial. E ,ainda assim as personagens continuaram a ser simplesmente expostas e não desenvolvidas, a meu ver.

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