domingo, 6 de março de 2016

A Cidade das Ilusões

"A Cidade das Ilusões", de Ursula K. LeGuin (Edição Livros do Brasil - Colecção Argonauta)

Opinião:
Já há bastante tempo que tinha alguma curiosidade em ler algo desta autora e finalmente o fiz, com um dos seus trabalhos menos conhecidos: “A Cidade das Ilusões”, por cá publicado na velhinha colecção Argonauta, uma edição Livros do Brasil.

A Cidade das Ilusões conta a jornada de Falk, um homem que não se recorda de nada do seu passado e é acolhido por o povo de uma pequena aldeia familiar, na floresta, que o educa e acarinha durante cinco anos, até que Falk decide partir para descobrir as suas origens, as razões da sua amnésia, e o seu destino. Falk, que é um homem aparentemente igual aos outro tem no entanto algo que o distingue: os seus olhos felinos alaranjados. E é esta a característica que o leva numa jornada pelo continente (claramente americano) num planeta terra em tempos muito futuros.
Na sua viagem Falk cruza-se com muitos tipos de tribos, povos e pessoas, conhecendo assim um mundo que é, ao mesmo tempo, tudo o que lhe haviam contado e muito diferente ainda assim. E se este contacto com diferentes comunidades foi muito interessante e rico, dando a este romance uma dimensão maior que as suas páginas, esta parte da história não deixa de ser um pouco incrédula, visto que é um pouco difícil crer que num espaço relativamente pequeno, que Falk quase percorreu a pé todo o caminho, fosse possível ele cruzar-se com tantas povoações e crenças distintas. E apesar de fazer algum sentido com base nos alicerces que a história mostra e na divisão imposta pelos misteriosos Shing, foi algo que me saltou à vista durante a leitura.

Falk é uma personagem fascinante e a história só ganhou em ser contada do seu ponto-de-vista do início ao fim. O conceito por trás da amnésia de Falk está muito bem usada, especialmente no final, quando Falk e Ramarren entram em intra-conflito. Outra personagem muito interessante foi o Orry, por culpa de ele ter sido manipulado desde tenra idade e só percepcionar exactamente o que os seus ‘guardiões’ querem que ele assimile.
Por outro lado fiquei muito decepcionada com as poucas personagens femininas que nos foram apresentadas na história. Apenas duas tiveram uma certa relevância: Parth e Estrel, e ambas foram amantes de Falk e mentoras/guias dele. Embora Estrel tenha um certo nível de complexidade, por culpa do que fez depois a Falk, a verdade é que o facto de ela mais tarde se mostrar arrependida só tirou interesse à personagem que assim se tornou apenas mais uma fêmea dócil e maleável. Das outras duas únicas fêmeas a serem mencionadas neste livro: uma era esposa do Falk, e outra mal teve tempo de falar, sendo uma dos Shing e não tendo tido grande relevância na história. Uma desilusão, tendo em conta que este livro se trata de um retrato do futuro da terra onde as mulheres são descritas apenas como donas de casa, objectos de desejo dos homens e traidoras. Bem visto faz-me lembrar um pouco a bíblia. Será esse o intuito? (Não me parece.)

A escrita é muito visual e leva o leitor a viajar ao lado de Falk todo o caminho, como se visse o que ele viu.

Em suma, gostei muito do conceito de toda a história e da forma como a autora escolheu contá-la, mas fiquei desiludida com as personagens femininas e por certas partes da história serem menos credíveis que outra.


Nota: Esta opinião refere-se à versão audiolivro pela Blackstone Audio, narrada por Stephen Rudnicki, uma edição que recomendo. No entanto eu possuo na minha biblioteca a publicação portuguesa pela Livros do Brasil e li vários trechos em português, podendo então também dizer que a tradução me pareceu muito competente e também a aconselho, visto que até se consegue arranjar por um preço muito acessível (por vezes 1€) em alfarrabistas e feiras do livro.

Sinopse:
Sozinho numa floresta densa um homem estranho com olhos grandes, a iris cor de âmbar, oval, ocupando todo o branco do globo lembrava os olhos de um gato; coberto de lama e esterco, arranhado, com o corpo nu enleado na vegetação da floresta, o homem tinha a pele mais clara do que os que à sua roda discutiam o acontecimento, enquanto ele se encolhia do sol e tremia de exaustão e medo. Era um homem adulto, sozinho, sem rasto, sem memória, com um olhar que não era humano. Os seus olhos não eram humanos. Os habitantes da floresta, espalhados pela terra, pequenos agrupamentos isolados vivendo num estado de semibarbarismo, nada sabiam da idade de ouro da Liga dos Mundos.

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