quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Dardo de Kushiel

"O Dardo de Kushiel (Kushiel 1)", de Jacqueline Carey (Saída de Emergência)

Sinopse:
TERRE D'ANGE é um lugar de beleza sem igual. Diz-se que os anjos deram com a terra e a acharam boa... e que a raça resultante do amor entre anjos e humanos se rege por uma simples regra: ama à tua vontade.
Phèdre é uma jovem nascida com uma marca escarlate no olho esquerdo. Vendida para a servidão em criança, é comprada por Delaunay, um fidalgo com uma missão muito especial... Foi, também ele, o primeiro a reconhece-la como a eleita de Kushiel, para toda a vida experimentar a dor e o prazer como uma coisa só.
Phèdre é adestrada nas artes palacianas e de alcova, mas, acima de tudo, na habilidade de observar, recordar e analisar. Espia talentosa e cortesã irresistível, Phèdre tropeça numa trama que ameaça os próprios alicerces da sua pátria. A traição põe-na no caminho; o amor e a honra instigam-na a ir mais longe. Mas a crueldade do destino vai levá-la ao limite do desespero... e para além dele. Amiga odiosa, inimiga amorosa, assassina bem-amada; todas elas podem usar a mesma máscara reluzente neste mundo, e Phèdre apenas terá uma oportunidade de salvar tudo o que lhe é mais querido.

*Este livro representa metade do romance original "Kushiel's Dart", estando a segunda parte publicada com o nome "A Marca de Kushiel".

Opinião:
Ganhei este livro no início deste ano e se demorei tanto a lê-lo foi por receio de não ser o momento certo para o fazer. Tinha consciência, mais ou menos, do que encontraria no livro, por isso não fiquei chocada com nenhum do conteúdo (para quem leu o "História de O", este até é bastante ameno), mas infelizmente o que esperava que me deslumbrasse, acabou por não o fazer. Mas vamos por partes.

A história em si não é do tipo que me cative. Tem muitos jogos de intriga, política e espionagem. Pouca acção e demasiadas incógnitas. Ainda assim a autora consegue manter o interesse, graças à sua escrita. Uma coisa que gostei muito na sua construção, foi a mitologia e a religião. Tudo neste livro foi claramente pensado ao pormenor, não só em termos religiosos, mas politico-sociais e parece que a autora tem um grande orgulho neste seu 'mundo'. Apesar de achar que tudo está bem estruturado, houve algo que me impediu realmente de gostar desta sua criação e que está inerente ao próprio povo D'Angeline. A autora relata-nos um povo esbelto, em que todos são belezas dos céus, mas ainda assim Phédre passa metade do tempo a dizer como uma ou outra personagem são os mais belos que ela já avistou (isto muitas vezes). O conceito de beleza, como em tudo, é muito relativo, mas a autora quase que parece apreguar a sua definição de beleza (ou definições, plural), de tal forma que quando são introduzidos na trama os Skaaldi (um outro povo) a primeira característica que lhes é incutida é a sua fealdade (acompanhada da selvajaria). Compreendo que isto seja aos olhos da Phédre, mas senti quase como se a autora me estivesse a dar um sermão sobre a beleza física. Isto fez--me imensa impressão aquando a leitura.

Voltando à trama, pode dizer-se que este primeiro livro foi quase uma introdução. Os primeiros capítulos foram autênticos info-dumps (despejo de informação), que apesar de ser apresentada de forma muito natural e, de certa forma, até cativante, não deixou de ser um pouco demais.
Ainda assim acontecem várias coisas  ao longo do livro, mas quase todas estão para além do campo de visão da protagonista e dessa forma são apresentadas de forma banal. Além disto as personagens são tantas que eu terminei o livro sem saber quem era quem (para além dos principais) e o facto de a maioria nunca aparecer realmente numa cena, além de ser meramente mencionada, não ajudou em nada a que o leitor fixasse nomes e os associasse a determinados acontecimentos.

Em relação às personagens, deve ser já claro que não gostei da Phédre, a protagonista. Isto fez com que a leitura se tornasse ainda mais difícil para mim já que tudo se passava pelos olhos dela. Pessoalmente não consigo sentir empatia com uma rapariga de 12 anos cujo maior (e único?) desejo parece ser o deixar de ser virgem e praticar o culto de Namaah (leia-se, prostituição). Queria apiedar-me dela, pelo seu passado, mas não consegui, graças à forma de ela ver a vida. Cheguei ao fim desta primeira parte, com a sensação de que a Phédre não tem personalidade.
Claro que gosto de personagens diferentes e enredos diferentes, chegando mesmo a gostar do próprio tema do culto do prazer, mas este livro não funcionou da forma que devia, especialmente porque não glorifica o culto do prazer, mais do que o torna banal e até desprezível. Não ajuda o facto de a 'condição' da Phédre ter uma explicação supostamente divina e de isso ser desculpa para ela não se conseguir controlar em certas situações. O que é feito da força de vontade? Do auto-domínio e disciplina que supostamente ela aprendeu ao longo da vida?
Felizmente as outras personagens eram mais interessantes, até mesmo os vilões. Os que mais apreciei foram Joscelyn, Hyacinthe e Delauney, além de Melisande (uma mulher que sabe o que quer).

Em contrapartida, o que me fez continuar a ler foi a magnífica escrita da autora, e a clara paixão que ela tem pelo mundo que criou. Daí que persista, na esperança que a Phédre amadureça (a nível intelectual) e a história ganhe interesse, apesar de o final deste livro já auspiciar grandes mudanças e mais envolvimento da Phédre na acção.

A escrita da autora é excelente. Muito rica e bela, sem chegar a ser cansativa. Claro que a tradução também está a par com a autora, caso contrário teria saído daqui um livro desastroso.
A autora apresenta-nos um mundo que quase podemos sentir, dedicando-se, no entanto, bastante mais à parte religiosa, política e social, do que propriamente a descrições paisagísticas, o que é uma grande perda, a meu ver, pois não "senti" os locais da mesma forma que "senti" a civilização.

Em suma, foi certamente um livro que ficou mais interessante nos capítulos finais, mas que pecou por um início fraco, demasiadas intrigas politico-religiosas, personagens a mais e especialmente uma protagonista com a qual é difícil nos identificarmos a qualquer nível. Ainda assim fica a vontade de ler o segundo volume ou não fosse este apenas metade do livro original), para saber qual o destino das personagens.
Sinceramente, esperava muito mais (mesmo quando as minhas expectativas não eram muito altas).

Tradução (Teresa Martins de Carvalho):
Um trabalho exímio e que parece quase impecável, salvo algumas repetições que surgem raras vezes nos textos. A tradutora esforçou-se por usar uma linguagem mais ... 'arcaica' (digamos assim), de forma a adequá-la ao tipo de história e, suponho, ao estilo original da autora.

Capa, Design e Edição:
A capa original (à direita) é muito simples e nada diz sobre a história. Daí nunca ter sido a minha favorita. Já a nova capa portuguesa (em cima, à esquerda) tem mais simbolismos. A capa vermelha, que tanto é mencionada no livro e a tatuagem que se vê nas costas da mulher. Apesar de a modelo não coincidir totalmente com as descrições da Phédre (protagonista), está fiel o suficiente para ser uma boa representação. Já a caveira, não está ali a fazer nada e não tem qualquer conexão com a história, salvo que existem algumas mortes no livro, mas a caveira parece-me um pouco exagerada, mesmo que tente simbolizar a suposta 'maldição' de Kushiel e do nome Phédre. Poderia até não incomodar nada, se fosse um pouco mais pequena e não se destacasse tanto. Dessa forma manteria algum simbolismo, mas não roubaria toda a atenção.

Nota: Ganhei este livro através do passatempo promovido pelo blog Páginas Desfolhadas e pela Saída de Emergência. Obrigada!

9 comentários:

  1. Acho que não vou investir neste livro. Sou demasiado púdica para gostar do tema principal e não tenho encontrado reviews que me tenham feito mudar de opinião, sendo a tua uma delas. Ou seja, apesar de leres o segundo livro, pelo que comentas não me parece ser o meu estilo.

    Boas leituras!

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  2. Ui se tem whores, quero! :) Eu não sou nada púdica (adoro o Miller e alguma BD erótica), pode ser que quando tenha o meu e-reader consiga comprar o ebook cheap :)

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  3. Gostei muito da tua crítica. Muito completa e clara. Mas a tua opinião não me deixa muito animada.
    No entanto, há a possibilidade de o facto do livro ter sido 'cortado ao meio' ter estragado ainda mais as coisas. Eu não sei como será o resto do livro, mas possivelmente não terá tantas 'apresentações' de personagens, e a própria personagem da Phédre poderá ter tido oportunidade para amdurecer. Se fosse visto como um todo, talvez fosse melhor. Mas isto sou eu a especular em relação à outra parte do livro. ;)

    Daqui a umas semanas devo conseguir pegar no meu exemplar e depois digo-te o que achei. =)

    P.S.: Detesto aquela caveira na capa.

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  4. Muito bem dito Ana!

    Os meus problemas com este livro tiveram sempre a haver com o tema, a maneira como aquele "mundo" funciona, e o pior de tudo foi a tal característica que só a protagonista possuía e que fazia com que a tratassem daquela maneira (e ela não se importava :o). Algumas cenas puseram-me doente.

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  5. Eu li este em inglês, e tenho de admitir que a escrita da autora foi das coisas que mais me irritou no livro, tinha sempre a imagem na cabeça da Jacqueline Carey em frente ao seu pc, com dezenas de dicionários e thesaurus ao lado para encontrar as palavras mais rebuscadas... Também não apreciei muito a Europa-mas-não-Europa, o que é um bocado estranho, que eu até gosto de Alternative History. Mas o livro tem bastante intriga que me fazia virar página atrás de página. Concordo contigo que as melhores personagens são mesmo o Joscelyn, o Hyacinthe e o Delauney.

    Não sei onde foi que a Saída de Emergência cortou o livro, mas na segunda parte deves ter mais acção e menos apresentação de personagens, mais viagens, com isso mais descrições do mundo. Agora, se não gostaste muito das intrigas religiosas e políticas fica-te só pela continuação deste.

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  6. Laura, é verdade que o livro fala de uns temas ... sexuais (muito sado-maso), mas não é muito gráfico, como acontece noutros livros. Ou seja, descreve algumas cenas, mas não vai a detalhes.

    Adelsena, realmente parece o tipo de livro que és capaz de gostar, embora não seja muito descritivo.

    Patrícia, acredito que sim, que a divisão do livro o tenha prejudicado em parte, mas não creio que seja o factor maior porque não gostei muito dele. logo verei. :) Fico a aguardar a tua opinião.

    jen7waters, nem mais! O que me irritou foi que ela não lutava contra aquilo. É quase como se tu nascesses com uma condição e depois nunca tentasses alterá-la, mesmo quando só te prejudica. Isso faz sentido?

    Quigui, embora ache que a tradutora amainou um pouco os "arcaismos", notou-se que a autora gostava do seu palavreado, mas isso a mim não me incomodou muito. Se tivesse lido em inglês possivelmente iria irritar-me, mas se calhar nestes casos é melhor mesmo ler na nossa língua. O primeiro livro parou na parte em que ela foi oferecida ao 'rei' dos Skaaldi. E já estava a contar que as intrigas se intensificassem, daí o meu receio de nem sequer querer ler mais. :(

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  7. "Além disto as personagens são tantas que eu terminei o livro sem saber quem era quem (para além dos principais) e o facto de a maioria nunca aparecer realmente numa cena, além de ser meramente mencionada, não ajudou em nada a que o leitor fixasse nomes e os associasse a determinados acontecimentos." Concordo com tudo o que disseste mas este foi o meu grande problema. Fiquei super baralhada :s

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  8. Olá!
    Eu estou neste momento a meio desse livro e concordo em muitas coisas contigo. A extrema necessidade da Phédre se prostituir por mais que tenha uma essência divina. A quantidade exagerada de personagens com nomes muito pouco fáceis também não facilitou o interesse até agora. Contudo penso dar uma oportunidade à autora pois começar uma saga que diverge tanto do mundo real por vezes nem sempre é fácil e também porque considero que é necessário ler o 2º volume português para ter uma opinião mais apropriada sobre o 1º volume original.

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