"História de O", de Pauline Réage (Colecção Obras-Primas a Literatura Erótica - Biblioteca Visão)
Sinopse:
Clássico do género erótico e uma das obras de referência para um certo imaginário do sadomasoquismo moderno. Publicado em França em 1954, História de O centra-se na personagem de uma fotógrafa de moda parisiense e dos seu quotidiano como escrava sexual, por opção. Além de provocar um grande escândalo na época, este livro - que seria um grande sucesso de vendas - marca uma nova abordagem sobre a sexualidade feminina, abrindo caminho aos movimentos feministas de libertação dos anos 60
Opinião:
Apesar de ter lido a sinopse antes de começar, e de já estar à espera de cenas menos fáceis de 'engolir', logo nas primeiras páginas senti-me extremamente desconfortável, não tanto pelas cenas em si (porque com isso eu já contava), mas com a complacência com que eram narradas.
Na verdade a autora escolheu não detalhar em demasia as cenas erótica, ou seja, estava lá tudo escrito e sabíamos tudo o que acontecia, mas esta não ia aos pormenores (que acabariam por ser exagerados, dado o tipo de romance que é). Em contrapartida decidiu descrever com bastante detalhe os cenários envolventes e as roupas e acessórios que ao longo do livro iam cobrindo a narrativa. Foi uma escolha algo diferente, que não só não se mostrou cansativa, como acabou por enriquecer um pouco a trama.
Algo que notei pouco depois de começar o livro, foi que a autora, de forma bastante progressiva, foi mostrando as mudanças na forma de estar e de pensar de "O" (a forma como ao princípio fazia tudo pelo o amor a René, e no fim ele já nem figurava nas suas motivações). O que receava que acontecesse, acabou por não figurar nesta obra, pois "O" evoluiu estrondosamente, aos olhos do leitor, de forma tão gradual que quando terminamos o livro nada nos parece estranho.
No entanto tenho de apontar o que me pareceu ser a única falha do livro: o passado de "O". Não a sua infância nem grandes pormenores da sua vida, que em nada enalteceriam a narrativa, mas sim a razão porque ela aceitou ir para Roissy (sabe-se que foi para agradar a René, mas porque razão sentia que devia fazer tal coisa por amor?). Assim ficamos sem saber exactamente porque "O" se submeteu a tais tratamentos, embora a partir desse momento tudo nos pareça bastante natural.
(Também não cheguei a compreender porque a autora decidiu usar apenas uma sigla para nomear a protagonista.)
Em termos de personagens, temo-las bastante distintas. Embora os homens presentes sejam praticamente todos dominantes e as mulheres submissas, ainda assim se conseguiu uma panóplia interessante de personalidades. Sir Stephen, assim como Jacqueline, e claro "O", foram os que mais se destacaram (a meu ver).
Como seria de esperar, o tema retratado não é fácil (pelo menos para mim) e por várias vezes senti vontade de parar, mas ao mesmo tempo a história impele e fica a vontade de saber até que ponto "O" se submeterá e qual será seu destino. A escrita fluída mas bastante bela da autora, ajuda a que seja mais tolerável a leitura, e a história central - que se foca não tanto no erotismo, mas sim na forma como "O" decide encarar a sua condição, e a crescente violência e degradação a que se submete - fazem com que o livro acabe por se ler bem.
Se o leitor conseguir ultrapassar as primeiras páginas, dificilmente deixará a leitura por terminar. Vê-se na prosa precisa, e na ousadia narrativa, o porquê de este livro ser considerado um clássico.
Há quem diga que na altura (anos 60) esta história foi um escândalo, mas parece-me que mesmo nos dias que correm, este "História de O" não seria menos ultrajante para a grande maioria da população.
Em suma, posso dizer que não foi uma leitura propriamente ... fácil de digerir, mas que pela sua prosa cuidada e visível progressão narrativa, me prendeu às páginas. Mesmo chocando-me uma e outra vez (ao longo de todo o livro, mas especialmente em relação à pequena Natalie), a história mostrou-se interessante e nada vulgar. Uma obra marcante (para o bem e para o mau), que não será certamente apreciado por todo o tipo de leitores, mas que tem alguns pontos bons, que aqueles que o conseguirem ler, saberão certamente apreciar.
Tradução (Regina Estêvão):
Relativamente à tradução, pareceu-me que está excelente e não tenho nenhuma lacuna a apontar.
Capa, Design e Edição:
As capas desta colecção (Obras-Primas a Literatura Erótica), são para mim bastante interessantes. São simples e discretas, ao mesmo tempo que têm um toque de sensualidade. Esta (História de O) não se distingue das outras, nem tem nenhum traço demarcador da história contida no interior do volume, mas também não peca por ser aborrecida ou desfasada do tema.
As ilustrações interiores (Jacob Taurà) dão um outro 'brilho' à obra, mas ao mesmo tempo perdem por serem pouco fieis aos textos. Nenhuma das gravuras conseguiu transmitir realmente as cenas que se estavam a passar, quando todos os detalhes estavam escritos no livro. Pareceu-me que o ilustrador leu apenas uma frase e fez as ilustrações baseado somente nessa frase (para cada cena), o que resultou em ilustrações bastante interessantes, mas que falhavam nos detalhes (importantes) das cenas.
O design interior do livro estava bastante apelativo e gostei especialmente dos cabeçalhos e rodapés, que davam um toque mais interessante às páginas brancas. Também a edição se mostrou robusta e bem conseguida, não tendo nada de mal a apontar.
Nota: Pelo que li no final do livro, existem dois finais alternativos. Pessoalmente parece-me que este que li (que fica mais em aberto) é o mais interessantes, embora gostasse de ler também os outros dois, por curiosidade e para perceber se funcionariam melhor que este.
Deve ser realmente um livro difícil. A autora queria passar alguma mensagem através da história da O? Nunca consegui entender o que motiva uma pessoa a submeter-se totalmente a outra, abdicando dos seus direitos e vontades, seja em que contexto for. Neste aspecto, tenho curiosidade em ler o livro, para entender.
ResponderEliminarbjs***
A autora passou várias mensagens através da personagem de "O", nenhuma das quais é fácil de 'digerir'. E comecei a lê-lo exactamente por essa curiosidade que mencionas, e acabei por não sair desapontada. A autora não nos dá explicações sobre o que levou "O" a entrar primeiro neste mundo, mas depois o leitor vai aos poucos compreendendo (se bem que nunca compreende de verdade, pois parece ilógico para a pessoa comum), como é que ela se deixou submeter tanto. Nesse aspecto é um excelente livro, dos que uso mais o "show, don't tell".
ResponderEliminar