"Brinca Comigo! (e outras estórias fantásticas com brinquedos)" de João Barreiros, David Soares, João Ventura, Luís Filipe Silva (Escrit'orio Editora)
Sinopse:
Quatro histórias fantásticas com brinquedos, forjadas na imaginação de quatros dos mais conceituados e inventivos escritores do género em Portugal. João Barreiros, David Soares, Luís Filipe Silva e João Ventura, aceitaram o desafio da Escrit’orio e surpreendem-nos com excelentes contos, repletos de originalidade e imaginação, subvertendo completamente o pendor cândido normalmente presente na abordagens clássicas à temática dos brinquedos!
Opinião (por conto):
"Brinca Comigo!", de João Barreiros
O conto que deu nome à antologia, narra a história de uma horda de brinquedos, num mundo dizimado por uma praga, em que as únicas coisas 'vivas', são as electrónicas, que ainda consigam recarregar baterias e substituir peças danificadas.
Este conto foi uma surpresa muito agradável. Denso, simbólico, e muito bem pensado. Nenhum detalhe foi deixado ao acaso e tudo tinha uma ordem, uma intenção e um significado. A lógica vasta, e ao mesmo tempo limitada, da horda, pareceu tão verosímil que nos esquecemos que estamos perante um exército de brinquedos.
E o final foi perfeito!
"Um erro do sol", de David Soares
O conto daquele que é considerado o maior (e possivelmente único) escritor vivo português do horror, narra a história de um homem, dono de uma marca de brinquedos que não tem grande sucesso. Ele descobre, num acaso, um brinquedo cuja tecnologia (ou falta dela) o maravilha. Decidido a encontrar o artesão por trás dessa criação, ele viaja, com a família, para uma pequena ilha deserta, chamada de "Garganta".
Há muitos problemas quando temos expectativas em relação a algo, e, depois de ouvir tantos louvores, tanto alarido em volta do trabalho do David Soares, não pude deixar de as ter.
Para começar, já sabia que seria um conto de terror, suspeita que se confirmou lá para o meio da narrativa, mas foi também exactamente aí que a história caiu na banalidade e previsibilidade.
Se o início era medianamente interessante e deixava espaço para algo de diferente, a partir do momento em que a família pousou os pés na ilha, tudo se tornou monótono e de um gosto muito discutível. Sem querer dizer de mais, basta afigurar que o final não fez 'clique' e não houve explicação nenhuma para o facto de ela, supostamente, descobrir o que eles eram. Nada no que ela viu, ou ouviu, daria a entender a realidade daqueles seres, e por isso a percepção dela é despropositada. Já para não falar nas "focas", porque afinal ninguém ia notar que todas as pessoas que iam à Garganta, acabavam desaparecidas, certo?
Espero apenas que este seja um trabalho menor do autor., mas como não sou de julgar nenhum autor baseado num pequeno conto, pretendo ler uma das obras mais extensas dele antes de finalizar a minha opinião.
"Boneca", de João Ventura
Este pequeno conto (possivelmente o menos extenso) conta o percurso de uma boneca de voodu, através dos tempos e das gerações.
Sei que num conto, temos de ir directos ao assunto e não andar com rodeios, mas o autor resumiu tanto a trama, a acção e o mundo, que foi impossível sentir o que quer que fosse com este conto. Quando cheguei ao fim, limitei-me a pensar "Huh?!?".
Em primeiro, uma boneca de voodu, tanto quanto sei, não pode ser direccionada "aos tiranos", pois se ela colocou uma mecha de cabelos do rei no interior, então a boneca só poderia ferir o rei. Eu até entenderia se chegasse a matar os descendentes da realeza, mas os outros? Todos os tiranos? Não faz sentido! Senão para quê a mecha de cabelo?
A história foi contada num compasso apressado, desprovido de emoções. A passagem do tempo foi abrupta, a evolução das terras e dos territórios, assim como as civilizações, foram muito mal explicadas e apressadas.
Em suma, este foi um conto que pecou por não ter recheio, nem nada que o redimisse. Talvez se não tentasse fazer tanto e tão pouco, a coisa tivesse saído melhor, mas assim apenas ficou a sensação de que nada ocorreu da forma certa.
"Não é que ignoras o motivo da tua queda mas o que pensas saber", de Luís Filipe Silva
Este conto narra a história de uma criança, do (quase) fim do mundo, e das pequenas e grandes coisas que vão acontecendo à volta dele.
Gostei muito desta pequena história por várias razões. Pelo facto de mostrar, através dos olhos de uma criança, como o mundo reagiu a uma ameaça de extinção, mas mais que tudo, à vida familiar dele, que se começou a desmoronar muito antes dos utara aparecerem no céu.
A felicidade que ele encontrou nas pequenas coisas, mesmo quando o mundo parecia ruir à sua volta, e todas as pessoas que ele conheceu, especialmente o irmão, e que o marcou da mesma forma que ele marcou o irmão. Aqui, o tema dos brinquedos é totalmente secundário, em detrimento do relacionamento de duas famílias, e quase de uma comunidade, que se une num momento de destruição.
Em suma, foi uma antologia que teve coesão de tema, mas não de qualidade narrativa, havendo dois contos que se elevaram acima dos outros (João Barreiros e Luís Filipe Silva).
Capa (Fotografia) de Pedro Vilela
Concordo no geral, apenas me poupava um pouco nos elogios ao conto do João Barreiros, não só porque os obstáculos que ele cria às personagens são completamente artificiais e incompreensíveis (não activam um Furão para não passar do limite, mas não lhes ocorre desactivar um dos outros brinquedos?) e pelo simples facto de que ele já fez bem melhor, com mais ironia e coerência narrativa.
ResponderEliminarO conto do David Soares foi uma monumental desilusão, é uma pena que esta tenha sido a tua primeira abordagem ao trabalho do autor.
Luís R.,
ResponderEliminarQuanto ao ponto que mencionas, a mim pareceu-me muito lógico, porque afinal eles são brinquedos, e tentam regir-se pelas regras. É como se estivesses programado para determinada coisa, e mesmo que quisesses mudar um pouco o rumo, não podias porque não estava dentro dos parâmetros. Foi assim que eu interpretei essa particular passagem do livro. E também no sentido de "não sacrificar" ninguém em prole de outro alguém.
Andei este Natal todo a adejar de volta deste livro na Fnac. :)
ResponderEliminarQuanto a David Soares, pode ser que seja mesmo mais alarido que outra coisa. Interessei-me pelos livros dele porque o seu blog era excelente, mas não posso dizer o mesmo do livro que comecei a ler. Era enfadonho e pretensioso, e não passei do quarto ou quinto capítulo.
E, já agora, esta crítica estava mui mui bem escrita, creio que a melhor! ;D
Por acaso foi o conto do David Soares que mais gostei. MAs não é o melhor trabalho dele.
ResponderEliminarRui,
ResponderEliminarComo já tinha dito, gostos não se discutem. Eu achei o conto do David Soares extremamente enfadonho, porque já vi muita coisa semelhante, mas se gostastes, ainda bem.