"Uma Outra Voz", de Gabriela Ruivo Trindade (Leya)
Sinopse:
João José Mariano Serrão
foi um republicano convicto que contribuiu decisivamente para a
elevação de Estremoz a cidade e o seu posterior desenvolvimento.
Solteiro, generoso e empreendedor como poucos, abriu lojas, cafés e uma
oficina, trouxe a electricidade às ruas sombrias e criou um rancho de
sobrinhos a quem deu um lar e um futuro. É em torno deste homem
determinado, mas também secreto e contido, que giram as cinco vozes que
nos guiam ao longo destas páginas, numa viagem que é a um tempo pessoal e
colectiva, porque não raro as estórias dos narradores se cruzam com
momentos-chave da história portuguesa. Assim conheceremos um adolescente
que espreitava mulheres nuas e ria nos momentos menos oportunos; a
noiva cujos olhos azuis guardavam um terrível segredo; um jovem
apaixonado pela melhor amiga que vê a vida subitamente atravessada por
uma tragédia; a mãe que experimentou o escândalo e chora a partida do
filho para a guerra; e ainda a prostituta que escondia documentos
comprometedores na sua alcova e recusou casar-se com o homem que a
amava. Por fim, quando estas vozes se calam, é tempo de ouvirmos o
protagonista através de um diário escrito noutras latitudes e
ressuscitado das cinzas muitos anos mais tarde.
Baseado em factos
reais, Uma Outra Voz é uma ficção que nos oferece uma multiplicidade de
olhares sobre a mesma paisagem, urdindo a história de uma família ao
longo de um século através das revelações de cada um dos seus membros,
numa interessante teia de complementaridade.
Opinião:
Este é o segundo vencedor do Prémio Leya que li para o Clube de Leitura de Braga (o primeiro foi "O Teu Rosto Será o Último") e já começo a ver um padrão. Nada de surpresas aí. Mas, confesso que gostei mais deste da Gabriela Ruivo Trindade.
Este livro está contado a 6 vozes, com cinco histórias distintas que acabam por estar interligadas numa sexta. Não são cem anos de história, como o trailer quer fazer acreditar, porque na verdade são só três gerações (embora sejam 6 vozes), mas anda lá perto.
A primeira voz é de um rapaz de 15 anos que os introduz à família mas que, infelizmente, está retratado como um miúdo de 10 anos. Naquele tempo eu duvido que um rapaz de 15 anos fosse tão imaturo e falasse daquela maneira. Especialmente um que queria tornar-se médico. Caramba, eu, que sou de uma geração recente, aos 15 anos não falava assim, quanto mais antes do 25 de Abril. Com 15 anos já eram adultos. Mas, tirando essa imaturidade, ele acaba por ser a persoangem perfeita para introduzir o leitor na história.
A segunda voz foi, para mim, a menos marcante. Não fosse a revelação do padre, e parece-me praticamente inconsequente.
A terceira está lá para falar do 25 de Abril e pouco mais. Não me liguei particularmente com o narrador e achei que a narração dos eventos poderia ser mais emotiva, mais vibrante.
A quarta voz é uma das mais esclarecedoras e uma das que mais gostei. Desvenda muitos dos mistérios colocados nos relatos anteriores e a narradora é das mais ricas.
A quinta e última voz (na verdade não é a última) é, sem dúvida, a mais marcante, mas também a mais frustrante. Ana foi, ao mesmo tempo, a personagem mais forte e a mais irascível de todo o livro. Ou não fosse a sua teimosia e falta de auto-estima factor de irritação. Mas, claro, não podia ser de outra maneira, para a história terminar como terminou.
Gostei da forma como a autora usou esta narradora para desvendar mais perguntas levantadas pelos anteriores e como, no fim de contas, tudo ficou mais ou menos esclarecido. No entanto também achei que a Ana foi a mais estereotipada de todas as narradoras. Isto porque a descrição da sua vida como prostituta é muito ... corriqueira. Parece mesmo ficcional. Não há autenticidade.
Por fim, os excertos do diário do Ti Mariano, que acabam por ser a sexta voz, são uma boa adição, mas a voz é muito semelhante ao resto do livro. Teria sido imensamente mais interessante se fosse um diário real, e não algo mais inventado.
Dito isto, eu detectei algumas inconsistências na narrativa:
- Na quarta voz houuve uma cena em que o filho de uma das mulheres 'da vida' morria e elas iam ao Padre pedir uma missa, mas ele ficou relutante e só aceitou depois do Ti Mariano intervir. Isto não faz sentido, tendo em conta que na quinta voz nos é dado a saber que o padre, não só é simpatizante destas mulheres, como as respeita.
-
No Anexo 2 é referido que Constantino Barbosa regressou depois do
exílio, antes de morrer e deixar a sua herança ao Ti mariano, coisa que
não aconteceu no relato da Ana.
Quanto à escrita, acho que a autora conseguiu dar voz própria a cada uma das personagens e dotá-las de independência. Contudo nota-se uma maior facilidade e genuinidade nas narradoras femininas.
Eu teria, no entanto, gostado mais deste livro se fosse possível saber o que é efectivamente real e o que é fictício. Este livro tenta ser real mas, de alguma forma, não convence totalmente.
Em suma, Uma Outra Voz é um livro agradável, com personagens interessantes e que é contado de uma forma dinâmica que dá mais valor à história, do que teria se fosse narrado numa só voz. Não é um livro surpreendente e acaba por estar muito na linha dos aclamados romances portugueses que se passam em tempos inglórios, no interior de Portugal e que se fixam numa história familiar. Enfim, na sua essência acaba por ser mais do mesmo mas a narração está bem conseguida e é um livro que se lê muito bem.
Capa, Design e Edição:
A capa é muito semelhante ás outras dos Prémios Leya mas consegue igualmente passar um pouco da história contida no livro.
A inclusão das fotos no interior, foi uma boa adição, embora o facto de serem fotos de uma época que não é retratada no livro, seja uma menos-valia.
Booktrailer:
Sem comentários:
Enviar um comentário