segunda-feira, 23 de junho de 2014

Acabadora

"Acabadora", de Michela Murgia (Bertrand Editora)

Sinopse:
Numa pequena vila sarda, a velha costureira, Ti Bonaria, acolhe Maria, «cedida» a ela por uma família humilde com muitos filhos. Oferece à sua «filha da alma» uma profissão e estudos, uma escolha audaciosa para uma mulher na Sardenha dos anos cinquenta. Maria cresce rodeada de ternura; mas há certos aspetos da vida da Ti Bonaria que a incomodam, em particular as suas ausências noturnas. Ela não sabe que a velha é a acabadora, a «última mãe», a mulher que ajuda os que sofrem a morrer. No dia em que descobre, a sua vida muda por completo e serão necessários muitos anos para que consiga perdoar à sua mãe adotiva. Com uma linguagem poética e essencial, Michela Murgia cria duas personagens inesquecíveis numa Sardenha intemporal, de costumes fascinantes.

Opinião:
Mais um livro lido para o Clube de Leituras de Braga (este vai ser discutido no dia 5 de Julho de 2014, por isso ainda têm tempo para o ler) e este foi um que me entusiasmou assim que li a sinopse. Não sabia nada sobre ele, não conhecia a autora, mas a ideia por detrás do livro parecia promissora.

Tal como diz na citação na capa: «Há mais amor que morte nestas páginas.» (L'Espresso). E é mesmo isso que este livro tem, pois apesar do título e da sinopse, aqui o foco está na maravilhosa personagem da Bonaria Urrai e da sua filha de alma, a Maria Listru. O elo que se forma entre as duas é maravilhoso e a forma como ele depois se altera, por culpa das circunstância, é muito emotivo.
O enredo em si é muito rural, bastante curriqueiro, como a vida. Cheio de surpresas, grandes e pequenas, mal-entendidos, dúvidas, cuscuvilhices, e muito amor.
Confesso que não apreciei muito a penúltima parte do livro, antes da parte final, em que Maria viaja para o continente e passa a ser ama de uma família. Não é que a história em si seja desprovida de interesse, porque não o é, mas está tão apressada, tão comprimida, que não tem a beleza, o coração ou o impacto do resto do livro, e isso fez-la uma parte menor. Também não ajuda o facto de esta sequência não ter praticamente nenhum impacto na relação da Bonaria e da Maria.

Bonaria foi, de longe, a minha personagem favorita, pela sua forma de ver o mundo e pelo amor silencioso que tinha por Maria. Andríá Bastíu foi uma personagem secundária que me cativou, especialmente por a forma como a sua personalidade se alterou depois da tragédia que assolou a família, pela forma como aconteceu. Maria Listru é uma protagonista interessante, desde o primeiro momento em que aparece, a fazer o seu bolo de lama e formigas, mas não simpatizei muito com ela. Contudo o final fez-me mudar um pouco de opinião. Mas também não temos que adorar todas as personagens, só temos que sentir algo, pois isso é que simboliza o quanto um livro nos marca.

A prosa é lindíssima! Diferente da maioria que já me passou pelas mãos. Como diz o/a crítico/a de La Nuova Sardegna: «Uma narração sem idílio e sem retórica, sem lugares-comuns.». Esta foi a primeira coisa que notei: A ausência dos lugares-comuns, das frases feitas, das descrições fáceis. Michela Murgia faz da prosa arte e eu adorei, especialmente na primeira metade do livro, mas ainda mais no belíssimo capítulo 13, que é o mais marcante tanto pelo que nele se sucede, como pela forma como é escrito. Diálogo expressivo e real, de cortar o coração.  Brilhante!
Infelizmente este grande capítulo contrasta totalmente com os que se seguiram, onde  a narração é mais linear e mais ... bem ... mais narrada. As coisas não acontecem. Já aconteceram!
E depois temos o último capítulo que volta a ganhar algum fôlego, para um final muito bom.

Em suma, Acabadora foi uma bela surpresa; a revelação de uma autora que espero voltar a ler em breve. Um texto com algumas belas passagens, cenas cheias de significado, uma relação mãe-filha que é difícil ignorar e uma prosa fresca. Não fosse pela penúltima parte, e se o fim fosse um pouco mais intenso, este livro poderia ser ainda melhor. Atrever-me-ia até a dizer que, provavelmente, saltaria de imediato para a minha lista de favoritos. Como está, é ainda assim uma belíssima leitura, cheia de emoção e que aconselho vivamente e sem restrições.

Tradução (Diogo Madre Deus), Capa e Edição:
Noi início do livro fez-me um pouco impressão o pouco uso da vírgula. Parecia que estavam em crise e tinham de poupar nas vírgulas. XD Mas depois melhorou. E nem sei se isso foi decisã da tradutora ou se era mesmo parte do estilo da autora.
A capa funciona como auxiliador da sinopse, embora diga muito pouco sobre a história, não desgosto e até vejo nela bastante simbolismo em relação a certas coisas narradas na história.
O design interior é muito simples mas as margens generosas facilitaram uma leitura ainda mais fluída e permitiram que, quando o texto se estendia sem parágrafos, a sequência não se mostrasse tão extenunate.

Nota: Esta foi a leitura de Julho 2014, para o Clube de Leitura de Braga.

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