domingo, 14 de fevereiro de 2016

O Fim da Inocência

"O Fim da Inocência", de Francisco Salgueiro (Oficina do Livro)

Opinião:
Este livro declara-se como não-ficção, como um relato baseado na vida real de uma adolescente portuguesa do século XXI, e eu não estou aqui a dizer que duvido que o seja, mas ao sê-lo posso dizer que é a vida de uma adolescente mais cliché de sempre, onde a Inês vive tudo o que qualquer pai/mãe alguma vez pode temer que os seus filhos vivessem sem eles saberem. É que não há uma coisa que ela não faça mal. É orgias, drogas à descrição, noitadas sem os pais perceberem, sexo desprotegido e precoce, combinar encontros em casas de estranhos que se conheceram na internet (e a quem decidiram dar todas as informações pessoais), tatuagens em sítios privados, piercings na língua que miraculosamente os pais não vêm (a sério?). Querem mais? Pois há mais!

O livro está escrito num tom quase jornalístico, ou melhor como se fosse uma crónica. Há uma distância sempre formal entre o leitor e as pessoas nele descrito, não só porque são, teoricamente, pessoais reais, mas porque o relato em si cria esse distanciamento, fazendo do leitor um quase voyeur e pessoalmente senti-me enojada durante quase todas as cenas, especialmente porque estavam a ser descritas situações com quase-crianças (dos dez anos aos dezassete), mas afinal o intuito do livro é mesmo esse. Deixar o leitor desconfortável, no sentido de o sensibilizar para uma realidade que pode não ser a norma mas não deixa de acontecer. Nesse ponto acho que conseguiu ter sucesso.
No entanto há que apontar algo que ainda me incomodou mais no livro, que descreve por várias vezes a família da Inês, e as dos seus amigos, como normal. Ora eu cá não acho nada disso. Pais que não dão pela falta da filha todas as noites em casa e não notam que ela está todos os dias ressacada? Uma mãe que quando vê a filha entrar pelo portão da casa de manhã cedo, toda molhada, em mini-saia e roupa da noite acha que ela veio de um passeio matinal? E repito: os piercings de língua; quem é que não vê aquilo? Enfim, de normal esta família não tem nada! Se tivesse, então este país (e o mundo) estava mesmo perdido.

Não há, ao longo do livro, uma ligação muito emocional com as personagens, nem sequer com a Inês que é o centro do relato. A prosa e a própria história não o permitem porque na verdade só nos é contado o que de mais chocante havia na vida dela. Nunca nos é mostrado um semblante de normalidade, de juventude no livro todo, excepto na ingenuidade dos seus actos. E isso não chega. Isso impediu-me de me ligar à Inês e de sentir grande empatia pelas suas vivências. Não que não sejam horríveis  e, de certo modo, fascinantes, mas são tão desprovidas de um pilar de normalidade que não há o outro lado da balança e por conseguinte não há equilíbrio. Tirando a parte que é referida a amizade entre a Inês e a Rita, mas é tudo tão superficial e tão enublado pela sexualidade das duas que acaba por não ter qualquer efeito fora da restante trama.

Em suma, o livro dá aquilo que promete à primeira vista: um relato que assustará muitos paizinhos, mas será que reflecte realmente a realidade? Há assim tantas famílias de classe média que não prestam a  mínima atenção aos filhos? E se os jovens despertam cada vez mais cedo para a sexualidade (e disso não há dúvida), será que todos eles o fazem mesmo sempre de forma tão descuidada? Com toda a informação que por aí anda? E os pais será que nem sequer sabem pôr controlo parental na internet? Acredito que isto suceda a alguns, tal como já acontecia em gerações anteriores, mas custa-me acreditar que seja a regra e não a excepção. A tentação sempre existiu e sim, este livro pode até ajudar alguns pais e alguns jovens a reflectirem um pouco mais nestas realidades, e por isso já vale a pena. No entanto como trabalho literário não tem grande mérito e perde muito por se focar só no mau, até mesmo no final. Precisaria de bastante mais equilíbrio para ser marcante enquanto texto literário, mas não há dúvida que choca.

Sinopse:
Aos olhos do mundo, Inês é a menina perfeita. Frequenta um dos melhores colégios nos arredores de Lisboa e relaciona-se com filhos de embaixadores e presidentes de grandes empresas. Por detrás das aparências, a realidade é outra, e bem distinta. Inês e os seus amigos são consumidores regulares de drogas, participam em arriscados jogos sexuais e utilizam desregradamente a internet, transformando as suas vidas numa espiral marcada pelo descontrolo físico e emocional. 
Francisco Salgueiro dá voz à história real e chocante de uma adolescente portuguesa, contada na primeira pessoa. Um aviso para os pais estarem mais atentos ao que se passa nas suas casas.

Trailer:

2 comentários:

  1. Olá! Em tempos vi uma entrevista sobre este livro e até fiquei curiosa, mas já percebi a ideia... Para quem tem filhos é sempre bom estar ao corrente do que pode acontecer, mas sem exageros, observar, beijar, abraçar... continua a ser a melhor forma de controlar!
    Boas Leituras!

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    Respostas
    1. Sim, carinho e uma boa educação em casa são as bases para uma juventude mais 'previsível'. Embora influências externas à família possam sempre trazer surpresas, o risco é sempre menor.
      Carla, este não ´um livro mau mas não posso dizer que seja um livro muito bom.

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