domingo, 6 de abril de 2014

Cemitério de Pianos

"Cemitério de Pianos", de José Luís Peixoto (Bertrand)

Sinopse:
Cemitério de Pianos é o quarto romance de José Luís Peixoto. Os narradores, pai e filho, desvendam a história da família, que vive em Lisboa, e falam da morte: a morte como destino irremediável, ciclo ininterrupto, renovação e elo entre gerações.

Opinião:
José Luís Peixoto é um dos mais aclamados escritores portugueses da actualidade, mas eu ainda não tinha lido nenhum dos seus trabalhos. Esta primeira incursão foi culpa do Clube de Leitura de Braga que escolheu este Cemitério de Pianos como leitura de Fevereiro 2014 (discutido a 1 de Março).

A princípio, confesso, não fiquei rendida à história, e menos ainda à escrita do autor, mas no final o hábito já se havia assentado e a leitura fluiu com mais naturalidade.

O enredo familiar é bastante simples, na sua cerne, mas da forma como o autor a apresenta acaba por parecer bastante complexo. É a história de três gerações (que quase parecem apenas duas), ou mais propriamente de três homens: avó, pai e filho; e daqueles que os rodeiam no seio familiar.
Apesar de ter apreciado a dinâmica da família e de a repetição dos erros que se traduz de uma geração para a seguinte, achei que, nesse campo da repetição, houve um grande exagero. Pois por mais que possam cair nas mesmas ciladas e espelhar as vidas uns dos outros, nunca serão tão semelhantes e quase, diria, indistintos, como o livro narra. Era quase como se estivesse a ler uma vida e não três, embora a do neto acabasse por ter sido um pouco diferente. E por mais que este resultado seja propositado, para mim, enquanto leitora, não funcionou. Queria evolução, mesmo na repetição.

E porque existe este jogo de similaridades, passo já ao campo das personagens e não posso dizê-lo de outra maneira que não seja: São todas iguais! Quero com isto dizer que temos três modelos: o narrador; o irmão/tio do narrador; a mulher (que inclui não só a esposa, mas as irmãs e todas as outras que por ali aparecem; estão todas metidas no mesmo saco). E depois temos estes três modelos lançados no meio do texto, em supostas diferentes personagens, mas sem nunca serem efectivamente únicas. Isto faz com que nenhuma seja memorável. Excepção feita ao Lázaro (o atleta, o neto), que acabou por ser o único que foi ... único. E isto, creio eu, deve-se ao facto de ele ser baseado levemente no verdadeiro atleta, e julgo que o autor teve mais atenção nele que nos restantes. Pelo menos é isso que transparece.

Isto leva-me a falar da prosa. O autor tem uma escrita cuidadosa, pensada mas que, sumariamente, se mostra repetitiva. E, desse modo, menos não seria de esperar numa trama tão uniforme. Existem passagens verdadeiramente belas, excertos memoráveis e esta é, sem dúvida, uma obra literária, naquilo que se espera de uma obra literária de referência (incluindo algumas manias que ignoram a gramática de forma propositada, só para serem únicas), mas que não é algo que eu aprecia de sobremaneira.

Como já disse, no início não gostei, depois habituei-me e, lá para o fim, acabei por a apreciar, de certa maneira. Mas a verdade é que a forma de contar a história e a escrita poucas vezes me arrebataram. Excepções feitas em determinados momentos e em certas escolhas que funcionaram bem para a trama e para as personagens.
Mas, mais que o seu estilo de escrita, o que notei foi o estilo narrativo. Quando apareceram as cenas que eram interrompidas em locais sem sentido, a meio de frases, quase que imitando a sequência ilógica do pensamento humano (que troca de foco sem pré-aviso ou nexo), eu gostei! Gostei mesmo! Mas depois começou a parecer-se com um artifício forçado, como algo que não nascera assim, como se o autor tivesse manipulado o texto para obter o efeito 'choque' e 'diferença', e rapidamente o artifício começou a aborrecer-me. Talvez se não tivesse sido usado tão extensivamente, o impacto tivesse sido outro.
Mas, piores que isso foram as cenas em que a Íris, neta do narrador, tinha diálogos com o dito avó. Note-se: Ele estava morto e a servir de narrador omnipresente. Não era um fantasma!
Estas cenas foram descabidas, despropositadas, expositórias e continham alguns dos diálogos mais irritantes de todos os tempos. Um artifício desnecessário, que só tirou brilho à narrativa.

Em suma, Cemitério dos Pianos é um livro complicado, que tenta ser complexo e literário, e que, em certa medida, consegue sê-lo. Perde no entanto pelas repetições na trama e pela falta de diferença nas três vozes narrativas presentes. Pontos para a forma como usou a última maratona do atleta Lázaro para criar um texto intrincado, se bem que usado até à exaustão.
Valeu a pena a leitura mas ... esperava mais.

Livro requisitado à Biblioteca Municipal de Barcelos.

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