"Os Transparentes", de Ondjaki (Editorial Caminho)
Sinopse:
A Luanda atual do pós-guerra, das especificidades do seu regime democrático, do «progresso», dos grandes negócios, do «desenrasca» - como pano de fundo de uma história que é um prodígio da imaginação e um retrato social de uma riqueza surpreendente.
Combinando com rara mestria os registos lírico, humorístico e sarcástico, os transparentes dá vida a uma vasta galeria de personagens onde encontramos todos os grupos sociais, intercalando magníficos diálogos com sugestivas descrições da cidade degradada e moderna.
Opinião:
De Ondjaki só tinha lido um conto e não tinha desgostado. Este "Transparentes" é um livro que me custou a ler no início mas que rapidamente se tornou bastante interessante.
Um autocolante na capa anuncia: "Um retrato poderoso da Luanda de hoje" e, sem conhecer Luanda, digo pelo menos que um retrato poderoso este livro é, sem dúvida. Embora a história gire em volta dos habitantes de um estranho prédio em Luanda e dos que nele acabam por entrar, vemos em várias personagens espelhadas as mais diversas e caricatas personalidades. Esta Luanda lembra-me Portugal, não só há umas décadas atrás, como mesmo agora. A corrupção, a mania do desenrasque, a pobreza contra a riqueza. Enfim, não é este afinal o retrato de tantas nações nos dias de hoje (ainda)? Especialmente, atrevo-me a dizer, dos países falantes da língua lusófona?
A trama central abrange todos os ramos sociais, desde a política, à imprensa, ao comércio e ao desemprego, entre outros, o que permite uma grande diversidade. O autor mistura estes elementos de forma tão bem arquitectada que nada parece ao acaso. Com momentos de pura genialidade, esta obra surpreende várias vezes. Uma cena que adorei em particular foi a do luto nacional. Absolutamente deliciosa!
No entanto nem tudo é bom e certas instâncias não fazem grande sentido. São poucas, mas as que são cortam a fluidez narrativa.
A nível de personagens tenho pensamentos bem distintos. Por um lado achei muitas delas absolutamente geniais, por outro algumas (apesar de as sentir necessárias), pareceram-me bidimensionais no início. Lá mais para o fim várias se destacaram, mas até meio eu tive muita dificuldade em distinguir várias personagens umas das outras, o que me obrigava a voltar para trás para tentar perceber afinal quem era aquele/a. E não era distracção, era a forma como as personagens falavam e agiam todas de forma muito semelhante. Refiro-me em especial aos moradores do prédio. Os de fora era mais distintivos, mas os que habitavam, tanto homens como mulheres, acabam por se diluir uns nos outros. Mais no final, já assim não acontecia, mas entretanto o mal já estava feito.
Ondjaki, neste livro, tem uma escrita que muitas vezes parece poética. Gostei muito e achei que tinha muito jeito para os diálogos também, embora por vezes exagerasse e quase roçasse o irritante com certas cenas. O que me incomodou bastante neste livro foi a ortografia. E quando digo isto refiro-me a não haver letras maiúsculas no início das frases, ou até mesmo pontos finais. Embora com a leitura me tenha habituado a isto, não deixa de ser algo que não gosto de ver em qualquer livro que seja. Sinceramente não vejo qual o sentido neste desrespeito pela gramática. E nem me refiro só a este autor, pois há muitos autores portugueses que fazem igual ou semelhante.
Noutra nota, não percebi foi se o autor usou alcunhas (ou profissões) para nomear certas as personagens, simplesmente para as objectificar, lhes tirar identidade. Eu interpretei assim, mas nisso achei que não foi muito original. Aliás em termos de estilo de texto, vi muitas influências externas e pouca identidade do autor. Em contrapartida, a nível de estilo narrativo, Ondjaki surpreendeu na positiva. Como já disse, certas cenas e certas personagens foram brilhantes.
Um suma, este livro surpreendeu na positiva mas fica a sensação de poderia ter sido ainda melhor, ainda mais grandioso. Foi uma leitura, sem dúvida, muito rica, intensa e que me deixou a pensar, mas com algo mais poderia facilmente ter-se tornado uma favorita.
Capa (António Jorge Gonçalves), Design e Edição:
Adoro a capa, pela sua simplicidade e porque representa muito bem o livro. Não são precisas coisas complexas para se fazer uma capa chamativa. A cor também ajuda.
O design interior está também com um trabalho muito bom o que torna o livro num que vale a pena folhear. A edição está muito boa e gostei especialmente do glossário que deu muito jeito.
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