"A Fenda" de Doris Lessing (Editorial Presença)
Sinopse:
Imagine uma comunidade
pré-histórica exclusivamente constituída por mulheres, que não conhecem
homens nem deles têm necessidade, e que funciona de forma quase idílica.
Imagine agora tudo o que poderá implicar para esta tribo o nascimento
de uma criatura estranha: um bebé do sexo masculino. Esta é a premissa
de que Doris Lessing parte para reflectir sobre um dos temas que mais a
inspiraram ao longo da sua carreira: as relações entre ambos os sexos e
como afectam toda a nossa vida. Com este livro, porém, Doris Lessing vai
ainda mais longe, ao fazer também um retrato de uma beleza
desconcertante da natureza simultaneamente transitória e imutável dos
seres humanos, com os sentimentos de ambição, vulnerabilidade e
incompletude que a caracterizam.
Opinião:
Antes de começar tenho de dizer que acho que nunca li um livro com tão má classificação (2,7/5) no Goodreads! E chegada ao fim da leitura fiquei sem perceber o porquê de este livro estar tão mal classificado. Não que tenha entrada para a lista de meus livros favoritos, mas está certamente longe de ser dos piores.
A leitura deste livro há muito que me intrigava, tanto pela premissa como pelo facto de a Doris Lessing ter ganho o Nobel da Literatura no ano em que publicou este livro (além deste prémio ganhou muitos outros com a sua extensa obra). Daí que as minhas expectativas tenham estado em alta até que vi a classificação no Goodreads e fiquei apreensiva. Como tinha seleccionado este livro para a Leitura conjunta do Clube de Leitura de Braga, cheguei mesmo a ficar apreensiva quanto às opiniões finais (o que, de certa forma, se veio a confirmar pois tivemos opiniões bastante diferentes).
Mas aqui apenas posso falar da minha opinião e aqui fica ela:
A história em si é narrada quase como um artigo jornalístico, tentando apoiar-se em "factos" mas ainda assim tomando algumas liberdades históricas. E se por um lado isto faz com que nos pareça mais verossímil a existência de um tal passado, também acaba por distanciar o leitor da trama central impedindo que crie um elo com os acontecimentos e também com as personagens que são, até certo ponto, indistintas umas das outras.
Pessoalmente isto não me incomodou, até porque se lê quase como um ensaio mitológico, mas senti falta de uma maior proximidade com os acontecimentos.
Por outro lado temos, para além da história central sobre como o mundo começou com as mulheres, temos também a história do narrador, um homem que vive na Roma Antiga e que protagoniza (ou narra) algumas das melhores partes do livro, talvez porque nestas partes existe uma maior proximidade (são história pessoais).
A história em si tem pontos altos e pontos baixos. Algumas cenas parecem desencadear-se a passo de caracol, enquanto outras passam a correr, mas no geral pareceu-me que a história estava muito bem encadeada e pensada, com algumas parte muito bem conseguidas.
Apesar da premissa do livro, achei sinceramente que esta história não era feminista (ou não tanto como esperava) o que veio a mostrar-se uma mais-valia. Aqui tanto as mulheres como os homens como têm falhas grosseiras, produto da mentalidade e vivências da época e dessa forma não senti que a autora estivesse a ser mais ou menos depreciativa com qualquer dos sexos. No entanto esse parece não ser o consenso geral, já que por norma os homens parecem sentir que este livro é feminista (verdade ou não?).
Das personagens quase nada poderá ser dito pois há excepção de uma ou outra que se destacam, a história é contada com um sentido de comunidade e não de um ser único o que é compreensível mas que não permite um conhecimento profundo das personagens que protagonizam algumas das maiores mudanças. Nem Horsa, Maronna, Astre ou a Maire podem ser consideradas personagens, já que o próprio narrador diz que estes são nomes que podem (e devem) significar várias pessoas ao longo das Eras, o que as torna indistinguíveis umas das outras.
Em suma, foi um livro cuja leitura me agradou e se mostrou mais interessante do que esperava (depois de ver aquela classificação depreciativa). Apesar de sentir que teria gostado muito mais do livro caso o tom narrativo não fosse tão impessoal, também foi isso em parte que me manteve atenta á leitura, já que o interpretei quase como histórico e não fantasia. A história em si também tem algumas mensagens curiosas e nas quais vale a pena reflectir, tanto para as mulheres como para os homens. Definitivamente este livro não é tão mau como o pintam e tem algumas partes muito curiosas.
Tradução (Alice Rocha):
A tradução deste livro está, a meu ver, bastante bem conseguida. Especialmente em relação aos termos e denominações dos povos (Fendas e Esguichos) mas não só.
Foi um livro cujo trabalho de tradução permitiu uma boa leitura e por isso não tenho nada a apontar.
Capa, Design e Edição:
Apesar de um pouco genérica, confesso que gosto bastante desta capa, não só porque se enquadra com a história mas porque ao ser simples é bastante evocativa e simbólica.
A edição está cuidada e o design interior está simples mas bastante eficiente, especialmente na medida em que fizeram distinção das 'história' e dos 'relatos' da vida do narrador, o que muito apreciei.
Olá Ana,
ResponderEliminarNormalmente isso da má classificação deve-se a ser um Nobel :(
Embora me tenha desperto a curiosidade ainda não o li, por isso não posso falar, mas não acho que 2,7/5 seja um má classificação. Não é boa, mas pelo menos ainda é positiva (à rasca).
ResponderEliminarSeja como for, a classificação por ali visa gostos, não qualidade...
Também achei que a escrita é impessoal, e acho que isso não jogou muito a favor da história. Resultaria melhor num livro mais fino pois lá para o fim eu já não tinha lá muita vontade de continuar - e até tinha ganho a ideia que a história não ia a lado nenhum :(
ResponderEliminarÂngelo, isso parece quase contraditório, mas acredito que seja um pouco isso mesmo.
ResponderEliminarVítor,no gooderads ter menos de 3 estrelas já é um pouco mau, mas eu disse isto porque, sendo a escritora até bastante conhecida e tendo ganho tantos prémios, seria se esperar que os seus livros fossem mais bem cotados, quando não é isso que acontece. Mas claro, não nos podemos fiar nas classificações dadas pelos outros (tantos mais livros com boas classificações, afinal).
Rui, quanto ao final, por acaso não achei isso, mas é a tal coisa, cada leitor lê de maneira diferente e aí é que está a graça. :)