terça-feira, 21 de agosto de 2012

Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa

"Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa", antologia organizada por Luís Filipe Silva, com contos de: Ludovico Bombarda, Sónia Louro, Fausto Boamorte, Artur de Carvalho, Ana Sofia Casaca, João Barreiros , Ruy de Fialho, Joachim Hunot, João Henriques, A.M.P. Rodriguez, Orlando Moreira, Maxwell Gun, Tiago Rosa (Saída de Emergência)


Sinopse:
Poucos o sabem, mas a literatura de pulp fiction, que marcou toda a cultura popular dos EUA na primeira metade do século XX, também esteve presente em Portugal, e em força.
Houve um tempo em que heróis mascarados corriam as ruas de Lisboa à cata de criminosos; em que navegadores quinhentistas descobriam cidades submersas e tecnologias avançadas; em que espiões nazis conduziam experiências secretas no Alentejo; em que detectives privados esmurrados pela vida se sacrificavam em prol de uma curvilínea dama; em que bárbaros sanguinários combatiam feitiçaria na companhia de amazonas seminuas; em que era preciso salvar os colonos das estações espaciais de nome português; em que seres das profundezas da Terra e do Tempo despertavam do torpor milenário ao largo de Cascais; em que Portugal sofria constantes ataques de inimigos externos ou ameaças cósmicas que prometiam destruí-lo em poucas páginas, antes de voltar tudo à normalidade aquando do último parágrafo.

Opinião:
É impossível começar esta opinião sem referir o trabalho do Luís Filipe Silva. Nota-se um esmero neste trabalho (desculpando, em parte, a demora do seu lançamento). As introduções de cada autor, escrito pelo próprio organizador, estão uma delícia! E por si só já são contos.

"O Segundo Sol" de Ruy de Fialho
Este conto tem força na acção e na narrativa que, estando bem adaptada ao estilo da época, é bastante cativante. As personagens também estão bem definidas, dentro dos possíveis e fiquei até com vontade de ler mais aventuras de Jaguar Cabala.
Gostei particularmente de como usou dos medos que, suponho, afligiam a população nos tempos da 2ª guerra. Um conto que me deu mesmo aquela 'vibe' pulp. Adorei!

"A Expedição dos Mortos, parte 1 e 2" de Joachim Hunot
Diálogos imaturos, pouco aproveitamento do exotismo da Índia, personagens adultas que agiam como crianças mimalhas, enredo sem grande força. Este conto foi uma decepção quase desde a primeira página. Na segunda parte, em termos de descrições, a prosa melhorou, mas os diálogos continuaram imaturos e o desfecho foi bem ... ridículo. Um homem que passou o conto todo amedrontado, a querer voltar para casa, vai tornar-se um agente secreto em aventuras mirabolantes sem mais nem menos? Não me parece!
Uma coisa que gostei foi a acção. Bem conseguida e empolgante. Fora isso o conto foi fraco, muito fraco.

"A Ilha" de João Henriques
Boas descrições das paisagens e um bom ambiente de medo, mas a narrativa é demasiado pormenorizada, contando cada passo do protagonista e é demasiado exaustiva, consequentemente tornando-se, em momentos, cansativa.
Apesar disso gostei deste conto, por criar um ambiente muito próprio, quase claustrofóbico mas também de descoberta. O final veio com ligeireza e isso tornou-o credível.

"Pena de Papagaio" de A.M.P. Rodriguez
Mais um conto de que gostei, embora me pareça que o início destoe um pouco do resto do texto. A loucura do protagonista ressalta das páginas. No entanto as suas motivações continuam um pouco confusas, mesmo após o final e isso poderia carecer de mais algum desenvolvimento.

"O Sentinela e o Mistério da Aldeia dos Pescadores" de Orlando Moreira
Com um bom começo e um bom mistério, este conto surpreendeu em termos de enredo, mas o tom narrativo em certos momentos não foi o melhor, tirando alguma força à acção. Ainda assim foi um conto bem conseguido e dentro do estilo desejado.

"Horror em Sangre de Cristo" de Maxwell Gun
Um western bem conseguido, com personagens sólidas e uma história curiosa. No entanto a descrição de certos acontecimentos do passado poderia ter sido narrada de forma mais interessante e o final podia ser melhorado.

"O Inconsciente" de Tiago Rosa
Um conto que consegue ser arrepiante a ao mesmo tempo sensível. O tom usado pelo autor ajudou a causar impacto, acompanhando eficazmente a crueza da história.

"A Noite do Sexo Fraco" de Ludovico Bombarda
Um conto que estranhei, de início ao fim, não tanto pela história, mas pelo estilo de escrita, que me repeliu um pouco. É uma história facilmente esquecida, sem nada que a torne especial e cuja narração não me envolveu. Ainda assim, a sátira, tão presente, foi algo que me agradou muito.

"Pirata por um Dia" de Sónia Louro
Com um início pouco motivador, com demasiados acontecimentos contados em pouco espaço e uma prosa que nada me cativou, este contou acabou por melhorar significativamente a partir do meio e ficou consistente até antes do final, que esse sim, foi uma pequena desgraça sem interesse. No geral acho que é uma história interessante mas contada de forma desinteressante.

"Valente" de Fausto Boamorte
Apesar de ter, definitivamente, aquele 'ar' pulp, esta história começou relativamente bem, perdeu-se um pouco pelo meio quando, sem mais nem menos, o Valente disse que provara, sem sombra de dúvidas que a rapariga era inocente (como, quando e onde?!?) e depois voltou a erguer-se com alguma destreza numa cena muito intensa. Infelizmente este conto peca por um certo nível de previsibilidade e por umas quantas pontas soltas e outros quantos pormenores caídos do nada que lhe tiraram alguma intensidade. Ainda assim, gostei do final.

"O Amaldiçoado de Ish-tar" de Artur de Carvalho
Não obstante a inspiração (óbvia) no Conan o Bárbaro, este conto conseguiu ser muito cativante. A escrita estava primorosa, com descrições das paisagens, personagens e situações que gostei de ler e que me embrenharam na narrativa. No entanto a previsibilidade da trama e a falta de originalidade em termos de personalidades de algumas das personagens, foi algo que me incomodou e que condicionou a história. Ainda assim foi um dos meus preferidos da antologia.

"Noites Brancas" de Ana Sofia Casaca
Pecando, em momentos, na escrita (havia repetições que não me pareciam propositadas) este foi um conto que não me interessou de sobremaneira no início, mas cujo desenvolvimento me foi puxando e puxando com mais força até que me engoliu. O final, bastante bem construído, apanhou-me de surpresa, embora tivesse gostado que fosse narrado de forma um pouco diferente, ainda assim foi uma boa conclusão para uma trama que soube manter "os nervos à flor da pele".

"Mais do Mesmo" de João Barreiros
Já tendo lido vários trabalhos deste autor, este foi mais um conto que não decepcionou. Uma história que agarra o leitor, cheia de boas personagens e de uma imaginação espectacular.
Só tenho duas coisas a apontar: por vezes os termos técnicos eram demasiados e sem necessidade; e acho que de todos os contos este é o que menos identifico como pulp fiction, pois podia ter sido criado muito mais recentemente.

Em suma, esta é uma antologia muito bem conseguida, apresentada com exímio cuidado e que contem alguns contos bem interessantes e que captam um género um pouco esquecido.
Os meus contos favoritos foram: "O Segundo Sol" de Ruy de Fialho, "O Inconsciente" de Tiago Rosa, "O Amaldiçoado de Ish-tar" de Artur de Carvalho e "Mais do Mesmo" de João Barreiros.


Capa (Andrade Matias), Design e Edição (Luís Filipe Silva):
Parece que finalmente as minhas 'preces' foram escutadas e por uma vez sei quem é o autor da capa e, ainda mais, no trabalho no qual esta se baseia (será este o motivo porque este livro foge à regra e abençoadamente refere o nome do artista da capa? Deviam fazer sempre isto, senhores e senhoras da Saída de Emergência). No entanto isto não desculpa o facto de nenhum dos artistas das ilustrações interiores ter sido creditado, nem sequer os autores das fotos apresentadas).
As ilustrações que por vezes acompanhavam os contos, grande parte das vezes, pouco tinham a ver com as mesmas. Ou seja, tinham algo a ligá-las, mas eram pouco fieis; excepção feita n' "O Amaldiçoado de Ish-tar" e também um pouco no "Mais do Mesmo"
Mas queria também dar os meus parabéns a quem fez o trabalho gráfico do livro que está um autêntico mimo. Uma delícia, verdadeiramente e uma homenagem aos livros e revistas da época pulp.
E não posso terminar sem congratular o trabalho desenvolvido pelo Luís Filpe Silva. Agora compreendo porque esta antologia demorou tanto tempo a sair. E valeu bem a pena. Vê-se a dedicação do organizador pelo tema, pela época e pelos contos. A ideia de fazer o livro parecer uma colectânea do passado foi engraçada e bem conseguida, no entanto não posso deixar de referir que para quem não souber de antemão que algumas das personalidades referidas nas biografias são ficcionais, isto poderá causar equívocos. Uma nota final explicando o que é real e o que é ficcional teria sido de boa índole, não só para o leitor que não conhece a 'polémica' mas para os restantes que, como eu, gostariam de saber ao certo quem viveu mesmo na época e quem foi lá inserido pela (incansável) mente do Luís Filipe Silva.


Links Relacionados: "Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa" na Wook - Site da Editora

Nota: Agradeço à Adeselna Davies (Illusionary Pleasure) por me ter dado oportunidade de ler este livro. Agora vou ter de arranjar uma cópia para mim.

4 comentários:

  1. Apesar de ter sido edição limitada, ainda encontras à venda ;)

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  2. Adeselna, eu sei, o problema é que me falta agilidade financeira de momento. :)
    E muito obrigada por me emprestares a antologia.

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  3. Julgando o livro pela capa, quero lê-lo. Julgando-o por este tipo de posts, ainda mais! :D
    Boas leituras!

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